Como a etnografia pode colaborar com a pesquisa de UX?
Por Alessandra Nahra*
A etnografia é um dos métodos de coleta de dados da antropologia, ciência que estuda o homem em sociedade. No método etnográfico, o pesquisador mergulha na comunidade pesquisada, observando e vivenciando seus hábitos, seu habitat, seu dia a dia, sua cultura. O contexto é o elemento mais importante da etnografia.
Em pesquisa de mercado, a etnografia é utilizada para entender a relação do consumidor com o produto. Em um projeto para o lançamento de um novo perfume, por exemplo, o pesquisador visita a casa de representantes do público-alvo e observa as rotinas relacionadas a beleza: que produtos usa, como é o banho, a escovação do cabelo, a maquiagem, em que espaço da casa faz seus rituais de beleza, como encaixa na rotina do dia a dia, quanto tempo é dedicado a isso etc.
Em UX, a etnografia enriquece a pesquisa realizada para o entendimento do público e do problema, e pode fornecer insights para atender necessidades até então desconhecidas. É enriquecedor observar o usuário interagindo com a interface no lugar onde faz isso normalmente: em casa, no escritório, no campo, no carro, na rua. Por exemplo: como você vai entender, de fato, a utilização de uma interface de atendimento se não observar um atendente de telemarketing durante uma ligação com um cliente?
A interface de atendimento é consultada enquanto o usuário está ao telefone, falando com um consumidor – muitas vezes furioso, querendo uma resposta rápida. Como o atendente procura o conteúdo? Quais outros programas ele precisa consultar? Ele lê a resposta? Como é esse texto? O atendente compreende o que está respondendo? Como digita nos campos do formulário? O volume da voz dos outros atendentes é alto e atrapalha? Essas são algumas das perguntas que influenciam o design e que podem ser respondidas com a pesquisa etnográfica.
A observação e o entendimento do contexto de uso são cruciais para o redesenho, a reformulação, a resolução de um problema de navegação. Mas não é só isso: na etnografia, o pesquisador deve levantar os olhos da tela. Acompanhar a pessoa no seu dia a dia, nas atividades de rotina, na maneira com que se alimenta, se locomove, pode trazer insights para resolver outros problemas – ou até para um novo produto.
Enfim, a etnografia cede para a usabilidade o olhar que leva o pesquisador a perguntar:
1) Qual o contexto da pesquisa, do usuário e dos demais stakeholders?
2) Como são os gestos, vocabulários, linguagens, reações, histórias compartilhadas, referências mencionadas, entre outros itens, por esse usuário?
3) Quais são as informações que estão sendo ditas e não estão sendo feitas? E o oposto?
4) Quais são as necessidades reais desse usuário em relação à interface pesquisada?
5) Como essa interface entra na vida do usuário, a partir do lugar que ele ocupa e no qual age?
6) Quais outras necessidades, mesmo que ainda desconhecidas, poderiam ser atendidas?
A pesquisa etnográfica oferece uma lupa com a qual olhamos a partir do macro para o micro, camada por camada, considerando as diferenças que existem nessa relação entre o pesquisador e o usuário. Com o objetivo de aproximar os olhares, mas ao mesmo tempo respeitar os espaços que cada um ocupa no mundo – e poder entender, de fato, o que leva o outro a caminhar nos sapatos por ele escolhidos.
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Esse texto teve a colaboração de Samille Sousa.
Fontes de consulta: Carol Zatorre, Flavia Hadad, Herom Felipe.
Referências:
- http://www.samladner.com/;
- http://www.practicalethnography.com/;
- Tim Ingold, Anthropology is not Ethnography
(*) Alessandra Nahra é jornalista.